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JONAS E A BALEIA

     POR WALCYR CARRASCO

 

PERSONAGENS:

AMADEU - CERCA DE 40 ANOS. Embora não esteja de terno durante a peça, sabemos que é um executivo bem sucedido, de boa situação financeira. Trabalha em um banco em um cargo bom, tipo diretor de uma área. Até pela profissão, levou até agora uma vida previsível. É do tipo que saiu sempre com a mulher e outros casais nos fins de semana, provavelmente companheiros de trabalho. Tem uma filha, no final da adolescência, que adora. Por tudo isso é um homem que sempre escondeu seus impulsos sexuais, nem chegou a levar uma vida dupla. Mas está apaixonado, tremendamente apaixonado por Benjamin.Apesar disso, no fundo não se considera "totalmente gay", pois é ativo. Sua visão da própria sexualidade é, assim, antiga, preconceituosa.

JONAS- 18 ANOS, TALVEZ MENOS. É um garoto de gestos delicados, na fronteira entre o sensível e efeminado. Bonito. Romântico. Ama musica, estudou piano. Sua familia é do interior. Mas vive sozinho em São Paulo, onde terminou o terceiro grau. Vai prestar vestibular para administração de empresas forçado pelo pai. É o mesmo pai que o obrigou a parar de estudar piano ainda adolescente. É profundamente machucado pela vida. Mora sozinho num apartamento mínimo, tipo flat. É romântico, gentil, mas por trás dessa fachada , manipulador.

CENÁRIO: FLAT DE JONAS. O cenário pode ser apenas indicado. Importante é uma cama de casal, um suporte para copos, xicaras, uma garrafa de bebida. E um aparelho de som com cds. Um bau onde JONAS guarda roupas de cama, etc.Se possivel, uma porta visivel do ponto de vista do público. Outra porta para o banheiro.

 

                        ATO ÚNICO

 

A PEÇA COMEÇA COM AMADEU E JONASDEITADOS NA CAMA.ACABARAM DE TRANSAR. AMADEU RESPIRA FUNDO,PROCURA MAÇO DE CIGARROS, PEGA. JONAS PEGA UM ISQUEIRO. ACENDE O CIGARRO DE AMADEU. AO ACENDER OS DOIS TOCAM LEVEMENTE SUAS MÃOS.

AMADEU FUMA, DÁ UMA TRAGADA.

AMADEU: Me chupa.

JONAS: De novo? Agora não tou com vontade!

AMADEU: Vai regular?

JONAS: Já te chupei tanto que deu caimbra na boca. Meu maxilar tá doendo. Dá um tempo.

AMADEU: Ok. Mas não demora. Hoje tenho que chegar mais cedo em casa.

JONAS: (SORRI) Só um tempo.

JONAS POR BAIXO DO LENÇOL PASSA A MÃO NO PAU DE AMADEU.

JONAS: Já tá acordando de novo.

AMADEU: Eu fico assim perto de você.

AMADEU PUXA JONAS PARA SI, DÁ UM TAPA NA BUNDA DELE.

AMADEU: Quero te comer de novo. Bundinha gostosa.

JONAS: É todinha pra você.

BEIJAM-SE.

JONAS: Dá só um tempinho.

AMADEU: Tá se fazendo de dificil.

JONAS: (SEMPRE SEDUZINDO) Você sabe que vai ter. Sempre! Eu me sinto o máximo quando teu pau fica duro logo depois de gozar. É o tipo de elogio sincero!(T) A menos que tenha tomado alguma coisa antes de vir pra cá. Tomou?

AMADEU: Com você, nunca. Sabe disso, não sabe?

AMADEU O PUXA PARA SI E BEIJA.

JONAS: Já tomou, então? Em homenagem a quem?

AMADEU: Ah...naquela convenção com o pessoal do banco. Sai com um grupo de diretores que trabalham comigo...e um dos vice presidentes. Fomos pra uma sauna de puta. Eu tomei um Ciallis pra comer a puta.

JONAS: Mas isso foi...faz duas semanas, não foi?

AMADEU: É, tem umas duas semanas!

JONAS: A gente já tava junto. E você foi catar puta?

JONAS LEVANTA-SE, JOGA O TRAVESSEIRO EM AMADEU. ESTÁ NU.

AMADEU: Eu não podia fazer feio no meio dos outros diretores. Quando a gente tem convenção, tem que sair, pegar uma putas...contar vantagem depois. É coisa de homem.

JONAS: Nem sei como tem coragem de contar. É patético.

AMADEU LEVANTA-SE, NU, PÕE CUECA.

AMADEU: Em empresa é assim. Faz parte do relacionamento profissional, pegar umas putas juntos, entre companheiros de trabalho!

JONAS: Pensar que meu pai queria que eu prestasse vestibular pra administração. Imagina eu, tendo que trabalhar no meio desses machos batendo no peito que nem gorilas e gritando "sou macho", "sou macho"!

AMADEU: O pessoal não é tão preconceituoso como você pensa. Já tem muito gay assumido que trabalha como executivo e ninguém fala nada. Eu concordo que muitas vezes é mais difícil para o cara subir na empresa, porque não fica amigo dos chefes, dos presidentes...e isso conta na hora da promoção. Mas não é impossível.

JONAS: Quer dizer....se carregar pedra ele ainda tem alguma chance. Pros outros basta pegar umas putas juntos.

AMADEU: Você é muito amargurado pra sua idade.

JONAS: Tenho motivos.

AMADEU APROXIMA-SE DE JONAS CARINHOSO.

AMADEU: Você é garoto ainda. Bonito. Tem quem goste de você. Tem um cara legal que quer cuidar de você.

AMADEU ABRAÇA JONAS.JONAS SE LIBERTA.

JONAS: Você não tem idéia do que é se sentir excluído o tempo todo, desde criança. Ter a sensação de que algumas coisas são para todo mundo, não para você.

AMADEU: Eu não gosto quando fala assim. Eu sinto até um nó aqui no peito ao pensar em tudo que você sofreu. Eu imagino, ser viadinho assim desde criança, não deve ser fácil.

JONAS: Viadinho. Você tá aqui comigo e me chama de viadinho. E diz que se importa comigo, que quer cuidar de mim...

AMADEU: Jonas, eu sou realista. Eu posso não ser um cara profundo, não entendo de psicologia. Sou dos números. Mas você dá pinta, deve ter dado muita pinta desde menino.  Eu sei que hoje tem muito pai, mãe, que aceita filho gay. Mas nem eu ia ter orgulho de ser pai da bichinha do bairro. E assim...é uma coisa que você tem que aceitar...tem gente que tem preconceito, tem certas coisas da vida que não são pra você.

JONAS: Namorar a tua filha, por exemplo. Não é pra mim.

AMADEU: Vai voltar nesse assunto? Sabe que é desagradável pra mim. Muito desagradável.

JONAS: Você é capaz de ter um caso comigo. Mas não suportava que eu namorasse tua filha. Dá pra entender?

AMADEU: Devia entender. Jonas...você, você pra mim é especial. Eu já tinha tido outras relações na minha vida, com outros caras, desde jovem. Casei...tive minha filha e não nego, sempre pulei a cerca com  homem.

JONAS : E eu não sei disso? Pai de família e gay. Quantos tem por aí?

AMADEU:  Mas você...você pra mim é especial. Se não fosse, Jonas, eu não ia ter tido a coragem de ficar com você, sendo colega de cursinho da minha filha. Ex-namorado.

JONAS: Eu não era ex coisa nenhuma quando você ficou passando a mão no pau na minha frente ,na sala, dando dica, a primeira vez. Eu levei o maior susto.

AMADEU: Mas olhou.

JONAS: Olhei, o que eu podia fazer?

AMADEU: Agora você me incomodou. Ainda estava namorando a Carol? Ela me disse que estavam dando um tempo.

JONAS: Amadeu, ela disse. Só disse porque você odiava o namoro. Era contra.

AMADEU: Eu adoro a Carol. Ela é tudo pra mim. Você não era mesmo o namorado pra ela.

JONAS: Eu sei o que tá na sua cabeça. Mas quero ouvir. Por que?

AMADEU: Porque é viado demais.

JONAS: E você, não é viado?

AMADEU: É diferente. Eu só como.

JONAS: E que diferença isso tem? O desejo é o mesmo. Desejo por homem.

AMADEU: Eu como homem e como mulher.

JONAS: Você me despreza porque me come? Diz que adora minha bundinha gostosa e depois humilha?

AMADEU: Eu gosto de você. E tou de pau duro só de te olhar, Jonas. E não é só o pau duro, mas é vontade de te abraçar. De te beijar e ficar com você, inventar uma viagem...sei lá...pirar! Mas a minha filha tá acima de tudo isso. Você não servia pra ela. Ela tem que ficar com um cara...

JONAS: Se disser a palavra normal te dou um pontapé no saco.

AMADEU: Tá, não digo...normal. Mas um cara do mundo dela, um cara que  vá querer ter filhos com ela....ter uma vida.

JONAS: Eu amava a Carol. Sabe, pode ser estranho eu te falar com tanta certeza, mas eu amava tua filha. Eu me apaixonei, sabe. Tá, eu nunca pensei que ia me apaixonar por um mulher, mas pela tua filha me apaixonei. Eu te saquei desde o primeiro dia que fui na tua casa, Amadeu. Teu olhar. Mas dei chance? Só dei chance...depois...depois que realmente acabou e eu peguei aquele cartão que você me deu...um dia como quem não quer nada...

AMADEU: Dizendo pra você me procurar qualquer hora. Eu lembro. Fui discreto, não fui?

JONAS: Discreto como uma jamanta. Mas só te liguei quando acabou com a Carol. Você é um cara bonitão, legal, meu tipo de homem. Mas...eu amava a Carol...e tinha certeza que se a gente fosse devagar, com calma...eu ia ficar de pau duro com ela, era só vencer a barreira...a barreira que sempre tive em volta de mim. Até hoje eu penso nela muitas vezes.

AMADEU RI.

AMADEU: Perdeu a filha, ficou com o pai. (SENTA-SE)Chupa agora para ficar mais contentinho.

JONAS FAZ QUE NÃO.

JONAS: Ainda não.

AMADEU: Mas o que você tá esperando?

JONAS: Porque você acha que tou esperando alguma coisa?

AMADEU: Sei lá, seu jeito. Hoje você tá meio esquisito.

JONAS: Já já eu chupo. Vai o melhor boquete da tua vida, garanto.

JONAS PEGA UM CD OU O IPOD E NESSE CASO, DEVE POR NUMA CAIXA DE SOM AMPLIFICADORA.

JONAS: Você ouviu quando disse que não vou mais prestar administração.

AMADEU: Deixa de bobagem. Administração é uma carreira, tem emprego certo.

JONAS PÕE UMA SONATA DE MOZART PARA PIANO.

JONAS: Eu já briguei com meu pai por causa disso. Ele ameaçou cortar a mesada e o aluguel do apartamento.

AMADEU: Eu seguro. Te arrumo um flat.

JONAS : Eu disse pro meu pai que vou estudar música. Acabou aceitando, a minha mãe convenceu. E também... acho que meu pai desistiu de mim. Eu não sou o filho que ele queria.

AMADEU: Dói quando você fala assim. Teu pai deve gostar de você, de alguma maneira.

JONAS: Tá ouvindo essa música? Mozart. É uma sonata para piano de Mozart.

AMADEU: Eu não sou bom em música clássica, pra mim é tudo um pouco parecido. Eu sei que Mozart é um compositor importante, mas acho meio chato ficar ouvindo esse tim tim tim. Põe uma coisa mais animada.

JONAS: Mas é o que quero estudar...faculdade de música, música clássica. Eu adoro piano.

AMADEU: Vai estudar piano? Mas não leva muito tempo? E como vai viver? Vai comer o piano?

JONAS: Eu não posso estudar piano. Não mais. Já estudei. Mas...

JONAS ABRE AS MÃOS.

JONAS: Eu tive três dedos quebrados. Prejudiquei minhas articulações porque os ossos não soldaram direito. É uma pena, porque eu estudava piano desde cedo. Mas desde os dez anos não toco mais.

AMADEU PEGA A MÃO DE JONAS. OLHA.

AMADEU: Eu sinto muito. Não tinha notado.

AMADEU BEIJA AS ARTICULAÇÕES DE JONAS.

AMADEU: Foi um acidente?

JONAS: Meu pai quebrou meus dedos. De propósito.

AMADEU: Pera aí, não entendi direito.

JONAS: É exatamente o que você ouviu. Meu pai quebrou meus dedos.

AMADEU NERVOSO, ACENDE UM CIGARRO.

AMADEU: Porra. Que pai quebra os dedos do filho?

JONAS: Meu pai tem uma fazendinha no interior. Cria gado, eu já te disse. Não estudou muito, é o tipo do cara que vê o mundo de um jeito só.

AMADEU ENCARA JONAS. PASSA A MÃO NA CABEÇA DELE DE LEVE, TIRA.

JONAS: Eu morava com minha mãe e minha tia na cidade, e só via meu pai nos fins de semana. Quando eu nasci, dizem, ele tinha o maior orgulho de mim.

AMADEU: Eu acho que conheço o tipo de homem que seu pai é.

JONAS: Desde menininho ele me achava meio frágil. E me levava para perto dos amigos, dos caras como ele, me fazia subir em cavalo e se eu galopava, elogiava, me erguia com os braços! Uma vez até me deu um golinho de pinga pra experimentar. Eu engasguei e ele e os amigos, todos riram.

AMADEU: Pinga pra um garoto?

JONAS: Era pra mostrar que eu era macho. Imagino que os amigos riam e batiam uns nas costas do outro, dizendo: esse ai vai ser um macho, vai pegar mulher.

AMADEU: (SORRI)Você?

JONAS: Eu. Você tá sorrindo?

AMADEU: Foi sem querer. Mas é que...

JONAS: Eu sei o que tá pensando.

AMADEU: Olha, não precisa me contar porque seu pai quebrou seus dedos. Você vai ficar pior, eu sei que está num dia triste, tá tão...diferente.

JONAS ABRAÇA AMADEU.

JONAS:Eu preciso sair do ventre da baleia.

AMADEU: Que história é essa de ventre da baleia?

JONAS: Eu era protestante, toda minha família é. Meu nome Jonas é típico de protestante. Eu já te falo do ventre da baleia. Mas, já que comecei, quero terminar a história de como meu pai quebrou meus dedos.

AMADEU: Se faz bem pra você, ok. Mas não demora muito. Eu tenho que ir embora logo. Tem um jantar lá em casa com outro diretor do banco e a mulher.

JONAS: Eu também tenho um compromisso com hora marcada.

AMADEU: Com quem?

JONAS: Já te conto tudo.

AMADEU: Não quer dizer que compromisso é esse?

JONAS: Não.

AMADEU: Tá querendo me fazer ciúmes? Deixa de bobagem, é infantilidade.

JONAS: Vou te garantir: hoje você vai sair daqui com a certeza de que não sou nem um pouco infantil.

AMADEU: Agora quero saber, que tá rolando?

JONAS OLHA O RELÓGIO.

JONAS: Deixa eu terminar a história dos dedos. Eu era um garoto delicado, mas diziam que era porque eu vivia com minha mãe e minha tia solteira. Meu pai não queria notar. Mas um amigo dele, um vizinho, notou. Eu tinha uns sete pra oito anos.

AMADEU: Que história é essa do vizinho?

JONAS: O vizinho era marceneiro, e uma vez me fez um cavalinho de madeira...então, um dia que eu passei em frente, no fim da tarde, ele estava fechando a marcenaria e falou: entra. Eu entrei. E o vizinho me mostrou o pau dele, me fez pegar. E depois...me fez beijar o pau dele e por na boca. Eu não queria mas ele me obrigou, e disse pra eu chupar como se fosse pirulito e depois ainda, me virou de costas, abaixou meu calção e me comeu.

AMADEU: Sete pra oito anos?

JONAS: Doeu muito, demais, e mesmo assim ele só pôs um pouco e depois me deixou todo sujo de porra. Me limpou com um jornal e disse que eu não podia contar pra ninguém. Se contasse, me matava.

AMADEU: Agora me choquei. Imagino seu medo.

JONAS: Eu fiquei aterrorizado.Naquela noite minha mãe me achou esquisito, mas eu disse que tava enjoado. E não contei.Não contei. Dali a uma semana o marceneiro me chamou, eu tinha medo, mas também tive de não entrar, e depois foram muito mais vezes, e ele me comia sempre.

AMADEU: Mas o que tem isso a ver com os dedos?

JONAS: Eu não sei como essas coisas acontecem, mas os moleques da escola farejam, sabem sem ninguém dizer, e então...um dia três garotos mais velhos me chamaram pra brincar e depois os três me comeram. E se quer saber, Amadeu, eu deixei, e então dali a pouco todos sabiam e sempre, várias vezes durante a semana eu saia com os moleques depois da aula...os moleques me comiam. Faziam fila. Eu ficava encostado no muro de costas enquanto vinha um, depois outro, depois outro...e a fama correu, todo mundo dizia que eu era...como você diz...viadinho.

AMADEU: Eu não disse nesse tom. Não mesmo.Eu disse viadinho brincando, mas não com esse desprezo todo.

JONAS: Eu estudava piano e juro, era o que mais gostava na vida, porque quando sentava no piano, tudo aquilo....os xingamentos dos moleques que me comiam e desprezavam, o marceneiro que me machucava... e outros caras mais velhos, alguns até casados que ficavam sabendo e vinham atrás de mim...tudo isso desaparecia quando eu tocava uma sonata...era minha luz.

AMADEU: Agora eu entendo. Mas você cresceu. Isso não está mais na sua vida. Está aqui, em São Paulo, longe do teu pai, desse marceneiro, dessa gente toda...

JONAS: Sabe o que aprendi, Amadeu? A humilhação nunca sai da vida da gente! Eu vou encurtar a história. No fim de semana o meu pai tava bebendo com os amigos e o marceneiro tava na mesa então alguém...alguém falou que o marceneiro me comia e meu pai ficou bravo, quis sair na pancada, mas o marceneiro enfrentou, disse que me comia mesmo porque eu era bichinha e outro cara que tava na mesa disse que era isso mesmo, que todo mundo sabia que eu era um viadinho. E o meu pai enfurecido levantou da mesa do bar, chegou em casa, gritou com a minha mãe, disse que a culpa era dela que tinha me criado na barra da saia como um mariquinha, chutou as mesas, e disse que de agora em diante eu só ia fazer coisa de homem, e chutou meu piano, arrebentou o meu piano completamente, rasgou minhas partituras, porque disse que piano era coisa de bicha e quando eu chorei berrou que chorar era coisa de bicha e então pegou meus dedos e quebrou os três com as próprias mãos e só não quebrou mais porque minha mãe conseguiu me arrancar das mãos dele enquanto eu gritava, gritava, gritava...

AMADEU ABRAÇA JONAS.

AMADEU: Mas é claro que a culpa não podia ser sua.

JONAS: Minha tia tentou dizer isso pro meu pai, era professora formada, disse que ele tinha que chamar a policia e prender o marceneiro, e meu pai disse que não ia na policia passar  vergonha. E que a culpa era minha sim porque se eu não tivesse esse jeitinho o marceneiro nunca teria feito aquilo comigo. E sabe, Amadeu, depois que perdi meu piano eu vi que tinha pouca coisa. Os outros garotos jogavam bola, mas eu não fazia parte de nenhum time, de nenhuma turma. Eu tinha um mundo só meu e não podia sair dele. Meu pai me proibiu de tudo, e forçou minha mãe a me levar e buscar todo dia. Tinha que aprender a ser homem.

AMADEU: Me dá um abraço. Isso tudo já passou.

JONAS E AMADEU SE ABRAÇAM.

AMADEU: Me dá um beijo.

JONAS VAI BEIJAR, VIRA A CARA.

JONAS; Eu não posso te beijar ainda. É um dia especial.

AMADEU: Vai me dizer porque é especial?

JONAS: Daqui a pouco.

AMADEU: O tempo tá passando. Eu vou ter que ir embora. Me deixa te abraçar, ficar com você, puxa vida! Te consolar um pouco.

AMADEU DESLIZA A MÃO PELAS COSTAS DE JONAS.

JONAS: Você quer resolver tudo que eu disse com um boquete? Acha que tua pica é prêmio de consolação?

AMADEU: Mas hoje você tá, hem? Termina de falar. Mas lembra que eu tenho horário.

JONAS: Eu também tenho horário. Horário para sair do ventre da baleia.

AMADEU: Pirou? Vai me explicar que história é essa de baleia? Ou quer que eu comece a ler a Bíblia?

JONAS: É simples! A história de Jonas está no Antigo Testamento. Jonas recebeu uma ordem de Deus para ir a Nínive e alertar os moradores sobre seus pecados. Mas não aceitou a missão que Deus lhe conferiu. Comprou uma passagem em um navio para outro lugar, para ficar longe do Senhor. Mas Deus lançou uma tempestade violenta sobre o mar. O navio ia naufragar. Mas os marinheiros tiraram a sorte e descobriram que o culpado pela desgraça era Jonas, que tinha atraido a ira divina. E jogaram Jonas no mar.

AMADEU: Agora eu me lembro. Jonas foi engolido por uma baleia, etc etc. Não sei o que tem a ver com você. A não ser o nome, é claro.

JONAS: Espera!Jonas ficou três dias no ventre da baleia, e a agua chegava a seu queixo, algas se entrelaçavam na sua cabeça, os ácidos do estomago da baleia corroiam sua pele, mas mesmo assim ele acreditou que podia viver. E prometeu que se saisse do ventre da baleia cumpriria sua missão. A baleia vomitou Jonas vivo, em Jafa. Ele aceitou a missão divina e se tornou um profeta. Um herói.

AMADEU :Agora eu entendo. Você está fazendo um paralelo entre sua vida e a de Jonas, o profeta. Só me dá uma luz.

JONAS: Eu me chamo Jonas, e um pai quando dá um nome a seu filho, dá também uma história. Cada palavra tem poder! Eu não pude navegar como as outras pessoas...me atiraram no mar , disseram que eu era culpado de alguma coisa que nem eu sabia o que era. Tive que me refugiar no meu mundo particular. Ficar preso no mundo que me destinaram porque eu sou diferente. É isso. O ventre da baleia tem sido minha vida até agora. (PAUSA, OLHA O RELÓGIO) Vamos parar com essa conversa?

AMADEU: Ainda bem, já tava achando esse papo meio pirado e tou quase em cima da hora. Só não queria te deixar tão mal. Vou me vestir.

JONAS: Não tá afim do boquete?

AMADEU; É que...a minha mulher tá me esperando, ainda tenho que fazer a barba...dar uma ajuda...

JONAS: Se eu ainda namorasse tua filha ia estar sentado na mesa, nesse jantar.

AMADEU: Ainda vai insistir nesse assunto?

JONAS; É só para você ver como vocês...vocês acabam me excluindo de um jeito ou de outro. Me deixando no ventre da baleia.

JONAS SEDUZINDO.

JONAS: Elogiou tanto minha bundinha...não quer mais?

JONAS VAI EMPURRANDO AMADEU PRA CAMA.

JONAS: Prometo não pensar em mim. Só em você.

AMADEU SENTA NA CAMA. JONAS AGACHA-SE.

AMADEU: Tá. Eu vou topar ser um pouco egoísta hoje.

JONAS: Hoje? Só hoje?

AMADEU: Não fode. Vem cá.

JONAS E AMADEU SE BEIJAM.

JONAS: Eu gosto de você. Podia te amar.

AMADEU: Não me ama?

JONAS: Você é o pai da Carol.

AMADEU: Não bota mais minha filha na conversa. A Carol não tem mais nada a ver com você.

JONAS: Pois é, não tem. Falando do Jonas novamente...

AMADEU: Se for voltar a falar nessa porra desse profeta eu me visto e vou embora. Chupa.

JONAS BEIJA O PEITO DE AMADEU.

JONAS: Eu quero que você sabia. Eu ainda tava com a Carol naquele dia que você ficou mexendo o pau na sala enquanto ela se arrumava. Na verdade, aquele dia a gente foi pra o apartamento de uma amiga dela.

AMADEU DÁ UM SALTO NA CAMA.

AMADEU: Você transou com a minha filha?

JONAS: A Carol me levou pro apartamento...pra me testar, sabe? E de repente me agarrou...e me beijou...ela beija parecido com você.

AMADEU: É nojento você fazer essa comparação.

JONAS: E ficou nua. Você pensa que sua filha é virgem?

AMADEU: Não, virgem não, mas...

JONAS: Ela me pegou, queria ir até o fim. Eu acho que ela gostava de mim...e queria ter certeza.

AMADEU: E você, diz...você...

JONAS: Eu brochei.

AMADEU SUSPIRA FUNDO, RI E SENTA-SE.

JONAS: Eu fiquei assustado, tenso, eu precisava de um pouco mais de clima, a gente estava indo num crescendo, juntos...você pode não acreditar, mas eu estava começando a descobrir o corpo feminino...e talvez essa fosse uma nova possibilidade pra mim. Uma possibilidade que me foi retirada desde que o marceneiro me usou e disse que me matava se eu contasse, porque desde então, o sexo pra mim se confundiu com uma sensação de ser medo, de escuridão, de terror. E com a sua filha, eu estava descobrindo o amor.  Mas de repente a Carol quis forçar a situação e eu brochei. No dia seguinte todo pessoal do cursinho sabia. Era um plano que ela tinha discutido com as amigas...e eu que sempre tinha ficado no meu canto, no meu mundo...passei a ser humilhado de novo. eu o, entende?  Eu, Jonas fui novamente atirado ao mar, e desta vez por tua filha.

AMADEU: Você não pode culpar a Carol. Ela namorou com você por engano, deve ter achado que a tua fragilidade te fazia...sei lá, poético...romântico. Foi um erro.

JONAS: Erro? Mesmo eu gostando dela de verdade?

AMADEU RI.

AMADEU: Você prefere a minha pica, Jonas. A pica do pai, não o corpo da filha.

AMADEU SENTA-SE NA CAMA.

AMADEU: Agora sei porque você anda tão magoado...mas a Carol nãO foi cruel. Ela só quis ter certeza.

JONAS: Ela não. Você.

AMADEU: Eu o que?

JONAS EMPURRA AMADEU DOCEMENTE PARA CAMA.

JONAS: Chegou a hora de te chupar.

AMADEU: Eu não entendi o que quis dizer!

JONAS: Não vamos enrolar mais. Tira a cueca.

AMADEU: Precisa?

JONAS: Não vou te chupar de cueca. Tá cheirando mijo.

AMADEU: Ah, ok. Devem ter caido umas gotinhas quando mijei da última vez. Às vezes não tenho paciência para sacudir o pau.

JONAS TIRA A CUECA DE AMADEU.

AMADEU: Mas ainda quero entender...

JONAS SOBE SOBRE AMADEU.

JONAS: Eu botei a Carol na parede...e soube que você, você Amadeu, é que disse pra ela que eu era um viadinho, uma bicha...e ela gostava de mim, pirou, e quis tirar a prova...e ela foi tão obvia que achou que se eu não conseguisse transar com ela...era a prova. Mas foi você que falou pra ela me largar porque eu era gay.

AMADEU: Eu falei sim, não nego. Lembra que a gente não tinha nada entre nós ainda. Eu não ia querer minha filha casada com um viado. Gosto de você. Mas é viado. Olha, é melhor eu ir, as coisas tão desandando e não entendo onde você quer chegar.

JONAS AO CONTRÁRIO VAI SE ACOMODANDO EM POSIÇÃO CADA VEZ MAIS ERÓTICA SOBRE AMADEU.

JONAS: Amadeu, quem tem os dedos quebrados pelo próprio pai, vira a chacota da cidade...fica calejado. Eu não sou mais um cara bom...eu queria ser um cara bom mas não sou. Eu não aceito mais ser atirado no mar, ficar preso no ventre da baleia, me afogando e me atormentando num mundo onde as pessoas querem me prender...eu consegui sair do ventre da baleia e estou em terra firme. Eu tenho uma missão, uma missão pra mim mesmo.  Nunca, nunca mais vou deixar rirem de mim. Nunca, nunca mais vou deixar me empurrarem pra uma vida que não quero. Eu tenho orgulho de mim, Amadeu. Eu tenho minha verdade, e se eu não tiver orgulho da minha verdade, não sou ser nada. E não vou aceitar que me batam, me ponham pra fora da vida sem dar o troco. Eu acho que seria gay sem o marceneiro, sem os moleques. Eu nasci gay. Mas não teria tantas cicatrizes. Mas talvez seja bom ter cicatrizes,porque aprendi a jogar duro. E você me feriu. A sua filha me feriu. Sabe, é minha vez de jogar vocês no mar.

 

AMADEU: Pirou de vez? Que tá falando?

TOCA A CAMPAINHA.

AMADEU: Tá esperando alguém?

JONAS: A tua filha. A Carol. Marquei com ela. Está só cinco minutos atrasada. Eu inventei uma história e convenci a Carol a vir aqui.

AMADEU TENTA SE LIVRAR DE JONAS, MAS ELE ESTÁ EM TAL POSIÇÃO QUE PRENDE AMADEU NU NA CAMA.

AMADEU: Não abre.

JONAS: Eu te amo, Amadeu. Amo também a Carol. A melhor coisa que possa dar pra vocês dois é a verdade. Ela riu de mim, Amadeu. Eu amava a Carol e ela riu de mim. Será que agora vai rir de você...papai?

A CAMPAINHA TOCA OUTRA VEZ.

AMADEU: Não deixa ela entrar, eu te peço. Ela não vai suportar.

JONAS: E você vai suportar? Vai dizer o que pra ela? Que não é gay? Que o viado sou eu, nu aqui na cama, comigo?

AMADEU: Eu te mato. Se abrir eu te mato.

JONAS: Ela não vai suportar, você acha. E você diz que não pode suportar. Mas eu, eu sempre pude suportar, eu fui escolhido para suportar. Agora é minha vez. Pai e filha. Está na hora de vocês saberem o que é essa vidinha que chamam de normal.

AMADEU SE DEBATE, LUTA. ESTÁ VENCENDO, MAS JONAS AINDA O PRENDE COM AS PRÓPRIAS PERNAS SENTADO SOBRE ELE.

JONAS: Eu não preciso abrir a porta.(GRITA) A porta tá aberta!

AMADEU PASMO.

JONAS: Entra!

A PORTA VAI ABRINDO. AMADEU NU NA CAMA, NOS BRAÇOS DE JONAS, OLHA APAVORADO. A SOMBRA DE UMA GAROTA SURGE ATRAVÉS DA PORTA.

                   FIM

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